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Jornalista, casada e amante das palavras. A pernambucana mais brasiliense de todas.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Vem chegando o verão

Basta abrir a janela e ver. Ver e viver o verão. Dias coloridos, noites quentes, chuva de vez em quando para refrescar, chinelo ou rasteirinha no pé e roupas leves para se deixar levar. Há quem repudie a estação do calor humano e prefira um céu cinza, carregado. Estes que fujam para o frio europeu e enfrentem o caos dos aeroportos escondidos debaixo da neve. Mesmo com a iminente greve dos nossos aeroviários, eu prefiro explorar essa mistura de céu e mar, que se fundem num azul estonteante. Prefiro as cores e sabores dos nossos sucos tropicais. Cajá, cupuaçu, manga, goiaba. Prefiro comer uma moqueca na praia, com pé na areia e corpo molhado do mar. Na posse da primeira presidente do Brasil, já estarei rumo a essa rotina que me dá água na boca. Devo assistir a alguns flashes pela tv, mas sem terninho, sem credencial, como uma simples cidadã, curtindo o principal benefício já conquistado pelo trabalhador: férias! Maceió, Maragogi e Porto de Galinhas nos aguardam, tenho certeza, de braços abertos. Dias preguiçosos e preciosos para retomar o fôlego para o novo ano, se Deus quiser, de muito trabalho e saúde. Inaugurei este verão no Rio de Janeiro. Na véspera, a lua cheia chamou atenção até do presidente, que aconselhou o público a usar a imaginação. Coisas de Lula. Às 21h38, hora exata da chegada do verão, eu estava derretendo no quarto do hotel sem ar-condicionado, sentindo na pele o calor da estação. Finalmente embarquei de volta para casa nesta manhã e as expectativas são as melhores, pois é chegado o verão!

domingo, 19 de dezembro de 2010

Quem é vivo sempre aparece

Quase um mês de abstinência, de privação de ideias, de palavras, de fatos marcantes e marcados em minha memória. Agora o tempo já passou, esses dias longe do blog não voltam mais. Eles já cumpriram seu papel de somar experiência, alegria, tristeza, emoção à vida de cada um, e à minha, particularmente. Amanhã embarco para minha última viagem a trabalho de 2010. O diário de bordo deste ano foi extenso. Nos próximos capítulos quero derramar aqui um pouquinho do que senti nestes 365 dias. Porque dezembro inevitavelmente nos chama a um balanço. Do tempo que perdemos e do quanto nos doamos. Mas isso vou guardar para depois, antes do apagar das luzes e do nascimento do novo ano.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Longe de casa

Mais uma vez me contento só com o cheirinho de casa que trouxe na mala. Ela quase já não se desfaz. Vida na ponte aérea. Essa distância compulsória revela cada vez mais o amor que há em mim, disfarçado de saudade. Até quando chegar e, de novo, colocar a mala num canto, sentir o cheirinho de casa, rolar na cama, fazer uma comidinha boa no nosso fogão, sentir o seu abraço apertado, e esquecer o horário de um novo embarque que me leve para longe de casa.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Nas nuvens

São Paulo respira arte. Isso não é novidade. Novidade é o que a arte faz com São Paulo. Desta vez, surgiu um imenso céu pontilhado sobre a Avenida Paulista. A artista escolheu como moldura da Tramazul as pilastras vermelhas do Museu de Arte, o MASP. Lá descansa a agulha depois de um árduo trabalho. Trabalho de colorir a cidade e de dar um novo fôlego para quem atravessa a Avenida. Colírio para os olhos que ardem com a poluição. Nos faz lembrar como era para ser o céu de São Paulo. Nos faz flutuar sobre a Paulista. Viva a arte.

MASP - novembro 2010

sábado, 13 de novembro de 2010

Para descontrair

Trocadilho ouvido enquanto esperava o elevador, depois do resultado do segundo turno das eleições: "É... Sai 'o cara', entra a coroa!".

Boletim médico

Ele venceu mais essa. 79 anos, mais de 15 cirurgias, dezenas de internações, quimio e, agora, para completar, um infarto agudo do miocárdio. Não dá para elencar quantas barreiras Alencar venceu. Mas ele venceu mais essa. No dia seguinte ao infarto e um invasivo cateterismo, já acordou bem humorado e pedindo para o assessor ler as principais notícias do dia. Mais tarde, assinou documentos oficiais, afinal, era o presidente em exercício e tinha que fazer o dever de casa, e parece não ter se queixado disso. Os bons resultados o fizeram deixar a UTI no mesmo dia. Logo em seguida, retomou a quimioterapia, que só deu trégua durante o dia do ataque cardíaco. Hoje, recebeu a visita do amigo Lula, e saiu na foto com um largo e sereno sorriso, como se nada tivesse acontecido. Será que existe alguém imune à dor? Talvez um dos X-Men? Ou talvez Alencar tenha fé no Deus dos milagres, que permitiu que ele vencesse mais essa. Só sei que todos ficam boquiabertos com seus boletins médicos. Sempre trazendo notícias de superação. Em breve Alencar deve ter alta de mais uma jornada. Os repórteres de plantão, como eu, ainda devem ter muita notícia boa para dar sobre este homem. Porque notícia ruim não faz parte da sua rotina. Eu vou seguindo por aqui, de plantão nesses dias gelados de São Paulo. Frio, aliás, fora de época. Tomei um café Macadâmia para esquentar, mas não adiantou. Pelo menos tenho uma notícia quente. Ele venceu mais essa!

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Cristo, Redentor

Apesar de Tom Jobim ter citado o Galeão no Samba do Avião, não tem como aterrissar no Santos Dumont e deixar de cantarolar: "Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara." De longe se vê o Corcovado, o Pão de Açúcar, a ponte Rio-Niterói e todos aqueles cartões postais que todo mundo já está careca de ver, mesmo sem conhecer. O Rio de Janeiro apaixona pela sua grandeza. Foi ali que papai viveu os tenros anos de sua meninice. Falei como os autores de antigamente, eu sei. Mas esta é a verdade. Verdade também que quase nada sei da sua vida na infância e adolescência. Sei ao menos que teve um cachorro lindo chamado Argos, e que se naturalizou carioca desde que pisou ali pela primeira vez. E perpetuou esse jeito malandro de ser, no bom sentido. Na semana do seu aniversário, que seria hoje, 28/10, fui ao Rio pela primeira vez a trabalho. Visitei de Copacabana a Complexo do Alemão e Manguinhos, passando rapidamente por Realengo e Bangu, na zona oeste. Observando os cariocas, vi meu pai em muitas atitudes. Olhando a areia e o mar, senti que herdei mesmo essa paixão litorânea. Conheci finalmente a manjada escultura de Drummond no banquinho. Claro que tirei foto com ele, que não queria ser o poeta de um mundo caduco. Papai também não queria ser caduco. Viveu com intensidade sua jovialidade, enquanto pôde. Escolheu caminhos certos e caminhos tortos. Mas uma escolha prevaleceu, por Cristo. Guardo a Bíblia que ele usava na juventude, que a mamãe trocou a capa, pelo desgaste natural de tanto uso. Em uma das suas anotações, ele enfatizou um texto de Jó: "O que o Senhor dá, Ele mesmo pode tomar". Ele lhe deu a vida, e no tempo d'Ele, a tomou para si, para a Sua glória. Eternamente. Como dizem: se o lado avesso do céu já é tão lindo, imagina como será o direito!

Tenho saudades do seu senso de humor. No meu baú virtual achei este email que ele me enviou em 2005.

"O Bola (o cachorro) tá precisando de analista. O perturbado resolveu se apaixonar por um gato macho e ainda criança. Não larga o gato para mais nada, nem para latir para quem passa pelo portão. Vou ter que dar um sumiço nesse bichano antes que o Bola adoeça. Acho que ele confundiu o ditado e entendeu que quem não tem cão casa com gato."

***

Como desmascarar um fofoqueiro

É simples. Se ele fala de todo mundo para você, falará de você para todo mundo. Não tem erro.

O jeito "Farias" de voar

Ele poderia se apoderar facilmente do slogan da Tam. No voo de 8h da manhã, começa dizendo: "Senhores passageiros, aqui é o comandante Farias, bom dia!", até aí, nada demais, mas continua rimando: "Que alegria! Que incontrolável alegria!" A animação do piloto contagia a aeronave e transforma a falta de sorriso, o mau humor e o sono em gargalhada geral. Depois, durante todo o caminho entre Itajaí (SC) e Congonhas (SP), segue gentilmente apresentando aos passageiros as belas paisagens do lado esquerdo e direito da aeronave. Sobrevoamos o mar, passamos por algumas praias famosas, nos deliciamos com a vista privilegiada de um dia ensolarado e com a gentileza do piloto. Um jeito que faz toda a diferença. Tu Farias isso? Tornarias o dia de outro alegre, incontrolavelmente alegre? Fica o exemplo. 

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Morte e Vida Severina

Dia frio. Águas do Rio Itajaí tranquilas. Cenário bem diferente do que há dois anos, quando o rio transbordou e inundou quase toda a cidade catarinense que leva o mesmo nome. Mas o que inundou a cerimônia de entrega da reconstrução do porto nesta manhã foi o paradoxo da morte e vida. Um minuto de silêncio pela morte de Romeu Tuma, senador. Bolo de aniversário para mais um ano de vida do presidente Lula, 65. Fim de cerimônia, anúncio da morte súbita de Néstor Kirchner, ex-presidente da Argentina. Outros 300 mortos em mais um tsunami na Indonésia, e mais de 200 pela cólera no Haiti. O obituário de hoje é extenso, mas muitos celebram a vida, mais um ano, como Lula. Quase comi um pedaço do bolo que fizeram pra ele, mas fui entrar no link ao vivo do jornal. Amanhã, meu pai também sopraria mais uma velinha, a de 51. Mas há quase 4 partiu. Hoje passei num mercadinho aqui de Itajaí, em Santa Catarina, e avistei um torrone. Ele amava torrone. Comprei para degustar amanhã e adoçar um pouquinho da saudade que sinto dele. Amanhã será outro dia, frio, quente, gelado, como na serra catarinense, sei lá. É por isso que as palavras de Tiago são tão sábias e nos servem de alerta:

"Atendei, agora, vós que dizeis: Hoje ou amanhã iremos para a cidade tal, e lá passaremos um ano, e negociaremos, e teremos lucros.
Vós não sabeis o que acontecerá amanhã. Que é a vossa vida? Sois, apenas, como neblina que aparece por um instante e logo se dissipa.
Em vez disso, devieis dizer: Se o Senhor quiser, não só viveremos, como também faremos isto ou aquilo." (Tiago 4, 13-15)

Amanhã, se Deus quiser e permitir, estarei de volta a Brasília, à minha cama, meu sofá, minha geladeira, meu amor.

Boa noite severinos e severinas, com a permissão de João Cabral de Melo Neto!

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Adeus dia velho, feliz dia novo!

Jericoacoara - CE

Muitos esperam 365 dias para virar a página, para tentar colocar em prática planos não concluídos, promessas de mudança não cumpridas, dietas mirabolantes não realizadas. E quando os fogos iluminam o céu, o sentimento é de vida nova, de fôlego novo, de esperança de que tudo dará certo. Aí chega o dia primeiro de janeiro. E o dia 2, e 3, e 31. Aí chega fevereiro, março... junho, julho... E parece que as melhores intenções daquele reveillon foram esmorecendo, escapando pelos dedos, indo por água abaixo. Nos envolvemos tanto com nossa rotina indisciplinada, nossos afazeres intermináveis, nossas atividades repetitivas, que mal temos tempo de sonhar à noite, e quiçá de dia. Aí chega setembro, outubro, e os comerciais já nos lembram que mais um ano está terminando. Passado o dia da criança, os shoppings da cidade já começam a competição pela ornamentação natalina mais bonita, pelo papai noel mais simpático, pelas promoções mais atraentes. E nos damos conta de que o dia 31 de dezembro está chegando e precisamos fazer de novo aquele balanço de fim de ano. Colocar no papel da consciência saldos positivos e negativos, receitas e despesas. O que plantamos, e o que colhemos. No que investimos, e onde lucramos. E isso não diz respeito apenas às finanças. É hora de contabilizar o que valeu e o que não valeu a pena. E o que não vale mesmo a pena é esperar 365 dias para fazer esta auto-avaliação e mudar o que precisa ser mudado. Cada 24 horas nos dão a chance de fazer algo novo e diferente, sem que seja necessário um show pirotécnico no céu. Os dias ficam velhos muito antes que os anos, e com a mesma velocidade se renovam. Cada manhã é um novo sopro de vida, de oportunidade. Cabe a cada um desembrulhar este presente do próprio Deus, sem fazer dele um passado precoce, que só será lembrado no ano novo. Fazendo isso, temos 365 chances a mais de fazer diferente, e não mais apenas aquele sentimento etéreo da virada. Adeus dia velho, feliz dia novo!

Canção da Alvorada
João Alexandre

Fim de madrugada, luz do sol
Marejando o dia que já vai chegar.
Pousa um passarinho na janela:
Lá vem ela, manhã.

E aqui de joelhos eu estou
Contemplando a última estrela.
Cantando a canção da alvorada:
Pra te fazer feliz, pra te louvar,
Pra te reconhecer, pra te encontrar,
Pra ver no sol que nada sou sem tua luz,
Só pra saber que nada sou sem ti, Jesus.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Chi-chi-chi-le-le-le!

Grito de guerra de quem ressurgiu da terra. Os mineiros chilenos encontraram muito mais que um pote de ouro, reencontraram a própria vida. Foi bom testemunhar o resgate histórico que em breve deve estar nas telas do cinema. 622 metros de profundidade por 69 dias não é moleza não. E subir numa cápsula de 53 cm de diâmetro, menos ainda. Que bom que muitos reconheceram que só saíram dali porque Deus permitiu. Que eles se recuperem e testemunhem desse milagre para o mundo inteiro, que se emocionou com o sucesso da operação. E viva o Chile!

A finitude da carne

Somos feitos de matéria irremediavelmente perecível. Perecíveis também são algumas emoções, atitudes e visões de mundo. Adolescente então, é alguém em quem jamais podemos confiar. Suas ideias, muitas vezes, não duram mais que 24 horas, ou duram alguns dias e até meses, mas depois se dissipam facilmente como um monte de pó ao vento. Ainda bem que elas não duram, dão lugar ao amadurecimento, ao crescimento. Mas essas fases de rebeldia adolescente acabam deixando marcas, porque no momento em que acontecem, parecem intermináveis. Só quando passa a tempestade, que molha muito mais aqueles que se preocupam do que quem a provoca, é que nos damos conta da sua finitude. Logo vem o sol, a mudança, e quem sabe, o desejável arrependimento. É certo que alguns esquecem de crescer, não fisicamente, mas mental e espiritualmente. Querem ser eternos inconsequentes. E deixam rastros e sequelas em quem esperava deles uma atitude condizente com a data de nascimento. Palavras desconexas antes de dormir nesta noite quente de Teresina. O calor não parece ser finito por aqui.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Desfamília

Há quem chame de família Buscapé. Há quem apelide de família Trapo. Mas eu vou arriscar um neologismo da nossa língua. Se existe desamor, desafeto, desunião, por que não desfamília? Começo a me afeiçoar pela descoberta, embora soe desagradável aos nossos valores, ou desvalores. Talvez também caiba nesse novo dicionário desamoroso o desabraço, ou o desrespeito, opa, esse já existe. Com desdém, trato nossa língua, a exemplo de quem se trata e destrata em nossa desfamília. Palavras desconexas e mal recebidas. Silêncios desconfortáveis e ausências que parecem abismos. Desconto na língua portuguesa todo o desengano desumano e desleal. Toda a desalegria e toda a aparência. Por falar em aparência, elas já não enganam. Tudo o que parece é. As aparências foram desmascaradas. Rancores antigos, desentendimentos e desfrutes. Todos eles aparecem no topo da lista dos Dez mais. Ou seria Des mais? Ouso apresentar minhas queixas e meu pranto, a despeito do protocolo invísivel, tal qual a linha do Equador. Quanto me custará esse desplante? Serei eu deserdada? Mas essa verborragia está perto do fim. Mais que uma desiludida tentativa de dizer quem somos, direi quem não somos mais. Não somos mais amigos, isso quer dizer desamizade, porque inimizade soa muito forte. Não somos mais solidários, o que significa desinteresse. Cada um por si e nada além de si. Não somos mais engraçados, digo, a condição de desfamília deixa tudo sem graça. Desalmoços, desjantares, desaniversários, des-cinema em casa, des-War, des-pizza de frigideira, des-reveillons. Tudo perde o sentido se somos desobedientes à própria palavra de Deus: Honra pai e mãe... Decidi então fazer um desabafo despretensioso, porém desaforado. Enquanto não se olhar para os lados e enxergar com o coração; Enquanto não se chorar com os que choram e se alegrar com os que se alegram; Enquanto não se despir das vaidades e mais vaidades, afinal tudo é vaidade; Enquanto isso, desperdício de tempo é viver. Porque viver sem amor é desviver. Mais que isso, é desvanecer aos poucos, é desistir. É destruir qualquer possibilidade de se dar, de se importar, de juntar os cacos e formar de novo uma família de verdade, e de fato. Vivemos num tempo em que destroços podem ser reciclados, basta fazer uma coleta seletiva. Separar os sentimentos perecíveis e desprezíveis, dos sentimentos nobres e saudáveis. Reter o que é bom, essa é a receita, não de bolo, mas de convivência. E a convivência implica em muito mais do que conveniência. Ajudar quem precisa de ajuda pode ser inconveniente numa noite de sono, num sábado, numa tarde de sol ou de chuva. Mas convém fazer o bem, não importa a quem. Permitam-me a frase desoriginal. O que se vê por todo lado são guerras de egos, de emoções, de remorsos. Acabar com essa guerra fria e destrutiva e mudar esse destino desatinado depende de coisas como um sorriso sincero ou um ombro amigo. Depende de dar fim às murmurações e lugar às palavras que edificam. Depende de estender a mão, o teto, a cama, a comida, a quem não tem. Depende de afogar mágoas amarguradas e trazer à tona as delícias de uma grande família. Com defeitos comuns e toleráveis, mas que não ultrapassem o limiar de respeito e dignidade do outro. Que haja iniciativa dentro de cada coração, antes que a desfamília presencie uma despedida sem volta. Eis o desafio.

Escrevi este texto em 2008 e, de lá pra cá, quase nada mudou.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Presente de fim de tarde

Mal acabei de postar o texto abaixo quando ela resolveu despencar. Corri para fechar as janelas, não antes de deixar o vento refrescar um pouco o forno que virou esta casa. Fiquei contemplando pelo vidro essa paisagem tão esperada, e seus contratempos. Em poucos minutos a água subiu invadindo calçadas, inundando ruas. Também em poucos minutos, como num passe de mágica, a grama que tinha virado palha se mostrou verde de novo. As trovoadas estremeciam o prédio e a luz chegou a falhar em alguns momentos. Nada que me impedisse de agradecer a Deus por esta bênção refrescante neste fim de tarde. Que o cinza do céu permaneça por mais um pouco. É o desejo de uma brasiliense carente, de chuva.

I have no idea

Sei que estou em falta com o blog, comigo mesma, com minhas ideias que vêm e vão com a mesma facilidade. Nestes dias de calor cada vez mais forte, não consegui parar por aqui para falar sobre nada. Tanta coisa aconteceu nessas últimas semanas, tantos sentimentos me invadiram nesses últimos dias. Esperava pela chuva, mas a chuva não veio. Apenas fingiu que veio numa manhã de sábado, e foi embora, sem deixar vestígios. Os termômetros variam entre 31º e 32º, mas disso, todo mundo aqui já está cansado de saber. Bem, apesar dos meus 99% de transpiração, falta-me o ponto percentual solitário da inspiração para escrever algo digno de ser lido. Depois eu volto.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Chuva...de terra...!

Quando o céu parecia anunciar a boa nova, a solução para parte dos nossos problemas, a alegria para nossos pulmões ressequidos, nada mais era que alarme falso. O que parecia ser nuvem, era névoa e terra, pura terra no ar. A coloração do céu ficou estranha, rosada, cobriu toda a esplanada dos ministérios. O vento forte trouxe a poeira estocada em toda parte. Hoje estou tendo uma visão panorâmica desse cenário, aqui do comitê do Palácio do Planalto. Mas espero ansiosa, assim como todos os colegas, ver chegar aquela tempestade, não de pó, mas de chuva, para encharcar a alma. Dizem que ela já está por aí, mas até agora não tive o prazer de sentir aquele cheirinho de terra molhada. Daqui a pouco espero voltar com boas notícias, e molhadas.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A Grande Belém

Ai, que dor na costa! Se você ouvir esta frase ou se alguém te oferecer açaí com farinha e camarão, risoto de jambu, maniçoba ou suco de cupuaçu com leite, ou se alguém, simplesmente, for muito gentil com você, sorria. Não, você não está na Bahia, mas em Belém, na Grande Belém do Pará. Muito se ouve falar em Grande São Paulo, Grande BH, Grande Curitiba, Grande Porto Alegre... Uma mania de grandeza só. Mas subindo um pouco mais o olhar no mapa, está a Grande Belém. Região Metropolitana que não perde para nenhuma outra. Trânsito caótico, muitas praças, avenidas, mercados, camelôs, feiras, shoppings. Prédios antigos misturados aos modernos. Terra de muita gente e de muita fartura, que o diga o Ver-o-Peso. De artesanato a porções do amor. De galo engaiolado a sacos com mil tipos de farinha, tudo a granel. O maior mercado a céu aberto da América Latina, com mais de 380 anos, é assim, tem tudo para todo gosto. Pena que, de passagem por lá, só pude sair com um imã de geladeira, por estrita falta de espaço na mala. Não fosse isso, teria voltado com alguns litros bem medidos de castanha e tapioca. A Estação das Docas, com seu palco deslizante, também é sensacional. Bom lugar para pegar uma brisa, ainda que morna, no fim de uma tarde escaldante. Lugar para ir com os amigos, para jogar conversa fora, ou para namorar. Não pude escolher nenhuma das opções, não desta vez. Mas valeu a pena conhecer um pouquinho da terra de grandes amigos, que fazem jus a este grande Pará, acolhedor, hospitaleiro, cheio de calor humano, a despeito do calor do sol. Agora já sei de onde vieram estas preciosidades que desembarcaram de mansinho no Planalto Central puxando o 's' e o 'n'. Estou para ver-o-peso de uma amizade como essa.




Ver-o-Peso, setembro de 2010

Verso da semana

"Não temas, crê somente." (Marcos 5-36b)

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Notícias em tempo irreal

Quanta coisa aconteceu nesses últimos dias... Aqui no blog, não tenho conseguido seguir a linha de produção industrial do tempo real. Sigo num tempo paralelo, irreal, manufaturado, quase que artesanal. Longe do imediato, instantâneo. Sem manchetes do dia, mas talvez da semana. Faço aqui um parênteses. Enquanto finalmente consegui sentar para atualizar o blog, toca o interfone. Quem é? Sou recenseadora do IBGE. Pode subir! A moça, ágil com a maquininha, não quis nem entrar. Ofegante de tanto subir e descer escadas fez meia dúzia de perguntas e se foi, sem sequer aceitar um copo d’água. Pudera, entrevistar milhões de brasileiros não é fácil não. Fico pensando qual será o retrato do nosso país depois desse resultado. Crescemos em gênero, número e grau? Espero que tenha crescido, de fato, nossa dignidade. A propósito, me auto-declarei parda. Fecha parênteses. Continuo com os principais fatos da semana. Na última quarta-feira, conheci um dos cartões postais mais impressionantes da minha história até agora. Me encharquei dos pés à cabeça só de chegar perto das Cataratas do Iguaçu. A força daquelas águas, mesmo em tempo de estiagem, já foi capaz de lavar a minha alma ressecada dos últimos meses. Que lugar lindo, grandioso, que demonstra um pouquinho da criação de Deus. Ironia chamarem o ponto alto da visita de Garganta do Diabo. Na trilha de 1.200 metros pude ver muitos velhinhos corajosos, porém tentando se proteger com suas capas de chuva amarelas. Muitos hermanos do lado argentino, que vieram dar uma espiada do nosso lado. Um bote lá embaixo cheio dos turistas mais aventureiros, e um helicóptero sobrevoando. Opção de passeio pela bagatela de uns 170 reais por pessoa. Mas me contentei com os mirantes ao longo da trilha, até porque, não tinha tempo para essas regalias. Voltei rápido para trabalhar com a equipe. Um seminário de igualdade de gênero nos aguardava. Foi quando ouvi o presidente da república perguntar aos seus ministros se eram capazes de lavar suas meias e cuecas, arrancando risadas acanhadas da plateia masculina e aplausos da feminina. Este seria o primeiro de 5 eventos em Foz. Haja fôlego. Fechei 4 matérias e me mandei no dia seguinte para Porto Alegre, onde fui bem recebida pela chuva. De volta a Brasília, mantive o fôlego para cantar no coral, no dueto, e onde mais fosse preciso para agradecer a Deus por tudo o que Ele é. Agenda cheia essa. Trabalhei no feriado. E não só trabalhei, como madruguei no desfile de 7 de setembro. Às 6 e meia da manhã, lá estava eu na Esplanada e às 12h30, entrando ao vivo no jornal. Piegas ou não, sempre me emociono ao ver a esquadrilha da fumaça. Lembra minha infância, quando era levada pelos meus pais patriotas para assistir ao desfile. Hoje eu entrevisto esses pais que levam sua cria para conhecer de perto as Forças Armadas. Também entrevistei duas meninas, de 7 e 9 anos. Elas não sabiam muito bem para quê estavam ali, mas no futuro, quando se lembrarem daquele coração desenhado de fumaça no céu, saberão. Bem, trabalhei na quarta também. Fiz matéria sobre a federalização de crimes contra os direitos humanos. E nesse mesmo dia, o Irã resolveu dar uma chance a Sakineh, revendo sua pena. Esse também foi o dia da reinauguração da fonte da Torre de TV, totalmente reformada. Dizem até ser a maior da América Latina. Presente para a cidade. Enfim, consegui uma folga e estou aqui. Isso que dá ficar tanto tempo sem aparecer: Texto longo, muita informação, pouco conteúdo. Meus editores que não o vejam.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Chove Chuva!

Inauguro este mês no blog perguntando: Cê tem bruxove? Digo, Setembro chove? Quantas vezes já cai nessa pegadinha quando criança e dizia não. Não tenho bruxove! Mas hoje, respondo: espero que sim! Afinal, ninguém mais aguenta a secura que nos aflige a mais de 100 dias. Mas eu fui privilegiada esta semana. Pensei que não fosse respirar fundo aquele cheirinho de terra molhada tão cedo, mas aqui estou na molhada Porto Alegre. Nunca fiquei tão feliz em ver um asfalto ensopado e poças na rua. Prometo levar para Brasília um pouquinho dessa umidade, para sarar os pulmões dos meus conterrâneos. Quero crer que em setembro chove, sim senhor, e em breve vamos ter todos aqueles transtornos típicos da chuva. Lama, sombrinha quebrada, fim da escovinha, mas que delícia respirar um ar úmido. Vale todo o sacrifício. Até quando começarmos a clamar pelo céu azul sem nuvens de novo. Eis nosso maior defeito, reclamar de tudo, sempre. Por enquanto o protesto é este: Chove Chuva! Chove sem parar!

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Mão de Mãe

Quando mais precisei, lá estava ela. Quando chorei, quando sorri, quando falhei, tropecei e caí, lá estava ela. Estendida, incansável, forte, segura, reconfortante. No cafuné para eu dormir, na massagem com Vicky Vaporube para eu sarar, na palmada, rara, para eu aprender, no carinho para eu amar. Amar e admirar cada gesto, motivado pela dádiva de se dar. E haja gestos, inumeráveis. Estava ali para mexer o mingau de Cremogema que eu tanto gostava, para fazer aquela couve-flor empanada que sou apaixonada, para esticar o cobertor de uma criança chata com eu, que não queria uma ruguinha sequer. Ela estava lá para também ir à luta diariamente, para datilografar na velha máquina de escrever, aquelas reportagens que viraram muitas manchetes. Furos que lhe renderam espaço e admiração no meio. Nas horas vagas, costumava escrever poesias, também cheias de inspiração. Mas ela se multiplicou por mais duas iguais a mim. Com a mesma força, mesmo amor, mesma entrega, mexeu leite com Nescau na caçarola, colocou em centenas de mamadeiras, levou para escola, carregou a mochila, ajudou a fazer dever de casa, segurou as pontas, todas elas, muitas vezes, sozinha. Também se multiplicou por outras vidas que dela precisaram, e ainda precisam. Avó, avô, tio, tia, sobrinho, sobrinha, cunhada, neto. Lá está ela suportando o peso das situações, que não são das mais fáceis, ou apenas disposta a acariciar, a segurar firme e não mais largar. Esta é a trajetória de quem já cultivou vários jardins coloridos nos caminhos por onde passou, já regou de lágrimas muitas noites mal dormidas, e já as secou. Já regeu uma orquestra de problemas buscando todas as soluções. Já escreveu e ensinou lições de cidadania, lições de vida, lições de amor. Sempre com a paciência, a doçura e a tolerância que lhe são peculiares. Apresento a vocês a mão. A mão de mãe, de minha querida mãe, que afaga até hoje os meus anseios e acalenta meus devaneios. Quero segurar nela e nunca mais largar.

Elásticos de família

Sim, parece e é bobo esse trocadilho. Mas não costumam chamar as relações familiares de laços de família? Pois bem, no meu caso, esses laços se tornaram elásticos essa semana. Ribeirão Preto, Petrópolis, Curitiba, Brasília. Todo mundo espalhado, esparramado por esse Brasil... Eu em Ribeirão, e daqui a dois dias sigo para Foz do Iguaçu e por fim para Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Outros em Curitiba, com minha querida tia Virgínia. Irmã caçula vivendo em Petrópolis. E meu amado em Brasília, segurando as pontas dos elásticos que no separam por ora, mas em breve voltam com toda força ao aconchego familiar. Lá no Distrito Federal também estão tios, primos, vovô. Mas apesar da proximidade, também são elásticos bem esticados os que têm nos unido, ou talvez, desunido, ultimamente. Cada um tem estado no seu quadrado. Quinta passada fui visitar meu avô, de 80 anos. Passei parte da manhã com ele. Caminhamos até achar uma sombra para nos proteger daquele sol escaldante. Sentamos num banquinho, comemos um doce de banana, batemos um papo e no caminho de volta, ele quis subir numa árvore. Sim, para meu espanto. Subiu na raiz, e como era o degrau mais alto que podia alcançar, começou a retirar pedaços de casca da velha árvore. Ele me dava para segurar e ia lá colher mais matéria-prima para algo que passara pela sua cabeça. Depois de satisfeito, voltamos cheios de pedaços de árvore nas mãos. Bebemos um pouco d'água e precisei me despedir. O sorriso dele foi embora. Percebi que ficou tristonho. Quando saí, ficou lendo uma revista. Meu coração ficou apertado durante todo o dia que se seguiu. Fiquei pensando que nossa ausência machuca o vovô tanto quanto ele machucou aquela velha árvore, tirando pedaços generosos de seu caule. Também, pudera, alguns já esticaram tanto o elástico que ele deve ter até arrebentado. Vivem distantes, reticentes. Quem sabe um dia esses elásticos voltem a ser laços bem amarrados. Enquanto isso, cada um no seu quadrado.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Janelas


– Janela, por favor – Solicitei no balcão de check in. Não me importo de enfrentar a claustrofobia das poltronas apertadas. O que quero é olhar o céu, as nuvens, a névoa seca, os caminhos que o homem traça no meio do nada, os rios que cortam esse caminho. Do alto, consigo enxergar como somos pequenos diante dessa imensidão. E quando cansar, recosto a cabeça na janela e sonho com a chegada a um lugar desconhecido. Lugar que estará depois desse céu, dessas nuvens, dessa terra. Mas já sei, como de praxe, que o piloto vai interromper o meu sono subitamente com informações meteorológicas. Boa tarde, senhores passageiros... Nesse momento, nota-se que algumas pessoas pulam na poltrona, tamanho o susto. Uma delas sou eu. Depois de saber inutilmente a velocidade da aeronave e a quantos pés de altura estamos, em português e inglês, volto a olhar pela pequena janela. A cidade começa a se aproximar. Se o destino fosse Salvador, já veria o mar. Colírio para os olhos. Mas dessa vez, uma cidade seca. Cercada por vários focos de incêndio em plena floresta amazônica. Se eu não estivesse na janela, perderia tudo isso. Aterrissamos. 40ºC. Sensação térmica: 45ºC. Garganta e olhos intoxicados pela fumaça. Chegamos em Porto Velho, para mim, novo. Da janela do carro vejo um pouco da face do norte do país. Rodando atrás de um hotel. Da janela do hotel vejo uma pizzaria. É lá que vou matar minha fome durante essa estadia. Cinco dias depois, volto ao aeroporto. Janela, por favor. Não tinha, só meio e olhe lá. Precisei me espremer entre duas poltronas, sem janela, sem paisagem, com uma revista que já havia lido até de trás para frente. Quem mandou esquecer de levar um livro... Fecho os olhos e só abro na chegada. Roubo um pedaço da janela da passageira ao lado, sem que ela perceba, e vejo a estufa cor-de-rosa que Brasília se torna nesse inverno seco. Não dá nem para identificar seu traçado, suas asas. Tamanha a névoa. Tamanha também era minha saudade de olhar da janela de casa. De janela em janela, o tempo vai passando, o vento vai soprando, e dando nova forma às nuvens e à vida que se esconde atrás da janela da alma.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Pela estrada

Minha vida é andar por esse país, já cantava Luiz Gonzaga. Hoje, canto eu. Lema que tenho carregado nas últimas semanas, quando vou do sertão à neve, de cidades destruídas a Cúpulas cheias de protocolos, de hotéis de beira de estrada a pousadas na beira do mar. Essa foi a ocupação que escolhi. Seguir por aí narrando fatos. E haja fatos, sejam eles fatídicos ou nada factuais. Mas estão ali, prontos para serem apurados, escritos, noticiados. E eis o ofício do jornalista, levar essa informação quentinha ou requentada para os ouvintes, leitores, telespectadores, críticos, curiosos, seja lá quem for. Aqui tenho buscado narrar um pouco dos meus fatos, sem ter a pretensão de me tornar notícia. Aliás, por falar nisso, fiquei surpresa com o costume de colegas argentinos de entrevistarem os próprios jornalistas, de tê-los como fonte. Eu estava à espera da coletiva do presidente, atrasada em mais de uma hora, escrevendo no lap top, quando de repente, uma periodista loira se aproximou de mim com um gravador hablando español e fazendo preguntas. Meio sem jeito arrisquei meu portunhol, pois ela estava ao vivo numa rádio de San Juan. Logo depois, seu colega da Rádio Universidad veio até mim da mesma forma e ainda me passou para uma pergunta direto do estúdio. Pode? Pode. Cada lugar com sua peculiaridade, sua excentricidade, suas faces fáceis ou difíceis. Difícil também foi ver de perto a situação dos desabrigados de Palmares, cidade pernambucana que foi devastada pela enchente em junho. Esgoto a céu aberto, crianças descalças, combinação perigosa. Comida não faltava, nem para os cachorros, já que a empresa Pedigree se compadeceu dos vira-latas e doou uma montanha de sacos de ração. Motivo de risada para os desabrigados, já que os bichanos querem mesmo o arroz com feijão, como estão acostumados. Mas, se o que vale é a intenção, valeu Pedigree. Fora a fartura da comida, farta tudo, como diz o povo. Conforto, privacidade, saúde. Itens em completa escassez por ali. Mas para a Maria Veronilda, coordenadora do abrigo, não falta força de vontade e esperança. Como cidadã, ela dá uma lição de solidariedade. Está ali dedicando seu trabalho a vidas que realmente precisam. Como psicopedagoga, cria formas de entreter a criançada para que não fiquem ociosas e ansiosas o tempo todo. Valeu a pena conhecer pessoas como a Veronilda. Pois como também dizia Gonzaga, vou guardando as recordações das terras onde passei, andando pelos sertões e dos amigos que lá deixei. Amanhã cedo embarco para Divinópolis, em Minas Gerais. De lá, sigo para Rondônia. Longe de casa, sigo o roteiro. Pra ver se um dia descanso feliz. E a saudade no coração.

Goiano Carioca

Hoje só quero ter certeza que jamais me esquecerei de meu pai, do seu jeito peculiar de ser, despachado, engraçado, talentoso, sem igual. Aquele que me pegou no colo, que me mostrou o mar, que me ensinou a me equilibrar nas ondas, que me fez cosquinhas, que me equilibrou em seus joelhos fortes, que me ensinou a não falar errado, a não deixar comida na beira do prato, a gostar de música popular brasileira. Também me ensinou a valorizar o que a gente tem, a pedir perdão quando se está errado, a reconhecer o erro. Me fez rir com a piada da aranha no espelho, do alemão e outras tantas que não me lembro agora. Me ensinou a orar, no quarto escuro, de portas fechadas. Me mostrou um pouquinho do Brasil, dirigiu milhares de quilômetros, me levou e me buscou da escola. Me incentivou a ser uma boa profissional e a ganhar dinheiro trabalhando “pouco”, claro. Meu pai foi (difícil conjugar esse verbo no passado) assim. Canhoto, o goiano mais carioca de todos. Cheio de defeitos, mas com qualidades inesquecíveis e bem pesadas na balança da saudade.

Hoje dou graças a Deus por ele um dia ter tido um encontro genuíno com Jesus em sua juventude e o nome Amaral Sales escrito no livro da Vida. E isso não se perde.

Uma homenagem póstuma pelo Dia dos Pais.

domingo, 1 de agosto de 2010

Pé no chão

Um dia, exausta, eu caminhava de volta para casa e uma senhora vendo meu sofrimento a cada passo olhou para mim e falou: minha filha, desce dessa escada! Ela se referia ao maldito sapato alto, que arrasou meus pés, minhas pernas, minha coluna, meu dia. Se não fosse esse par de mules, certamente aquela quarta-feira teria sido mais feliz. Tive que continuar a minha via crucis por mais alguns metros, quando, finalmente, depois de subir três andares, desci da escada do desconforto. Não sei que fim levou aquele sapato. Espero que não tenha ido estragar o dia de outra. Por isso faço aqui um tributo a todos os sapatinhos rasteiros, às sandálias rasteiras, aos chinelos, às havaianas. Abaixo o salto agulha, salto Luis XV, salto plataforma, salto sei lá o que. Descer do salto faz bem à saúde, é liberdade de ir e vir sem ter que se equilibrar. Versatilidade. Essa é a palavra. Salto alto pode ser bonito o quanto for, mas não convence os meus calos. Viva o sapato baixo!

OBS: Tive que comprar uma bota rasteirinha aqui em San Juan. Questão de vida ou morte!

'Fri da muléstia'

Lembrar da frase típica nordestina do meu sogro até me aquece nesse inverno argentino. Sim, de Pernambuco, aqui estou em San Juan, uma província argentina bem pertinho do Chile. Cidade tranquila, com cara de interior. A torre da igreja demarca a praça do centro, como manda o figurino. As badaladas do sino soam de hora em hora. O hotel fica a sete quadras de lá, um passeio agradável a pé. Andar ajuda a espantar o frio. Pelo caminho, uma escola, alguns prédios públicos, pequenas padarias, calçadas em manutenção e alamedas de árvores sem folhas, a cara da estação. Difícil é atravessar as ruas com cruzamentos e nenhum semáforo no centro. Mas vencida esta etapa, muitas lojinhas e galerias convidam a algumas compras, já que estão em liquidação. Artigos de frio são os mais vendidos, pois casacos e botas são itens de primeira necessidade aqui. Restaurantes que servem a típica parrilla também estão espalhados por San Juan, que na verdade não está acostumada a receber um volume grande de turistas. Os sanjuaninos até já espalharam pela cidade faixas de agradecimento do tipo: 'Gracias por visitar San Juan!', 'Bienvenidos, Presidentes!' Uma chuva de brasileiros, paraguaios, uruguaios, venezuelanos e toda sorte de sulamericanos invadiram as ruas da Ciudad, a espera da Cúpula do Mercosul, sediada aqui pela primeira vez. E ao contrário do que o nosso imaginário popular brasileiro pensa, os argentinos dizem admirar o Brasil, e se não foram passear por lá ainda foi por falta de dinheiro, não de vontade. As rixas se restringem aos estádios de futebol. Ainda bem. Outra coisa marcante é a hora da sesta, sagrada. Eles fecham tudo às 15h e só reabrem às 17h, depois do cochilo que especialistas confirmam, faz bem à saúde. Bom para eles, porque enquanto isso temos que trabalhar. Ainda bem que o Centro de Imprensa fica debaixo da janela do Hotel. Lá será nossa casa durante a Cúpula, protegidos desse 'fri da muléstia'. Até a volta para me aquecer nos braços de meu amor.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Pernambucanas

Caetés, Garanhuns e Palmares. Este vai ser meu itinerário pernambucano nos próximos dias. Algumas centenas de quilômetros de carro e muita disposição na bagagem. Além de casaco e cachecol, pois em Garanhuns faz frio, oxente! Lá acontece a 20ª edição do FIG - Festival de Inverno da cidade. Em Caetés, por sua vez, vai ser lançado o programa Um Computador por Aluno, 'carinhosamente' chamado de UCA. Mais de 4 mil estudantes da pequena cidade onde o presidente nasceu vão receber um netbook semelhante a este, do qual estou 'blogando' agora. Bem, a última parada certamente será a mais marcante. Vamos voltar a um dos municípios mais atingidos pelas enchentes há um mês. Lama, leptospirose, pessoas tentando retomar a vida que ficou sob os destroços, isso é o que devemos encontrar em Palmares, e que, por sua vez, deve se transformar em 3 matérias. Por hora, aguardo a partida aqui em Maceió, capital mais próxima de Garanhuns. Na volta da jornada pernambucana prometo ter um lead.

sábado, 17 de julho de 2010

Os Sabidos

O vento impune e o frio seco fariam daquela noite apenas mais uma igual a tantas outras de inverno. Mas há algo capaz de aquecer mais que qualquer casaco, gorro ou cachecol: a arte. Sabida como ela só, Verônica subiu ao palco com um blazer preto aveludado. A primeira música, acompanhada por Serginho no violão, já foi suficiente para a moça pendurar o blazer na cadeira e exibir uma blusa de paetês e alcinhas. A arte a aqueceu, e a mim também. Voz doce, poesia. Ela cantou o amor, a saudade, o tempo. E com a ajuda de palavras, histórias e memórias trouxe o pai de volta à vida naquele palco. Fernando é o nome dele, imortalizado não só pelas lembranças de família, mas pela obra que deixou para os filhos, netos e todos nós. Quem não leu ‘O Grande Mentecapto’ na escola? Pois é, ele foi o autor. Sabido esse Fernando. Verônica contou que além de escritor, ele também tocava bateria numa banda de jazz. Fora isso, talvez nas horas vagas, era roteirista de curtas-metragens. Era mesmo sabido esse Fernando, assim como a filha, irmã de outros cinco sabidos. Ela cantou e sarou os ouvidos gelados da platéia. Valeu a pena esperar os minutos de atraso. Logo em seguida, o pianista Wagner Tiso entrou em cena todo encasacado, por sua vez. Um lindo arranjo de ‘Eu sei que vou te amar’ inaugurou seu solo, que poderia ser interminável, segundo a aclamação da platéia. Por que parou? Paramos para rir um pouco com mais uma história sobre o irreverente Fernando. Segundo Tiso, o amigo, certa vez, exigiu que ele pusesse uma gravata para acompanhá-lo num evento em Nova York. O que Fernando apesar de sabido não sabia, é que a única gravata disponível naquele momento era do Mickey. E lá foram eles vestidos a rigor para algum canto chique de Nova York. Essa história me lembrou meu pai, também um tanto quanto irreverente, que saiu para trabalhar um dia com uma gravata do Piu-piu. Corajoso ele. Mas, histórias a parte, estávamos todos ali para ouvir música. E ela não deixou a desejar, ecoou bem alto no vasto jardim do CCBB. Noite boa aquela, onde o frio virou calor, onde a morte virou vida. Onde a herança de um pai artista deu o tom às canções da filha. Essa é a sabida família Sabino.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Umidade relativa, bem relativa

Sorridente, a garota do tempo anuncia: 'Céu claro, temperatura mínima de 17 e máxima de 26 graus na tarde desta sexta-feira. Umidade relativa do ar fica em 34%'. Clima e paisagem desérticos invadem a capital nessa época. Canteiro central da esplanada vira palha de fácil combustão. Céu azul sem nuvens, mas com grandes borrões de poeira. Sol de escaldar no meio da tarde e vento frio e seco durante a noite. Esses são recortes do cenário brasiliense nos meses de outono/inverno. Período em que nos assemelhamos às Vidas Secas de Graciliano. Peregrinos nesse sertão em pleno Planalto Central. Boca, olhos, pele, garganta, tudo seco, não fosse pela umidade relativa da emoção. Sim, lágrimas que brotam elevando a marca para 100%. Motivos não faltam. Elas vêm, gota a gota, molhar essa paisagem austera. Às vezes o choro vem em cascata, incontido, regando tudo ao redor para fazer brotar um renovo, um sorriso, um motivo para secar os olhos e prosseguir. O choro é necessário para desafogar a alma, o coração. Para ajudar a vencer a secura das circunstâncias e dos fatos. Para aumentar a umidade relativa do nosso ar. Ah, se aqui tivesse mar, talvez não fosse preciso chorar, só de alegria.

Pré-sal x Pressão

Acho que nunca passei tanto tempo dentro de um aeroporto na vida, nem nos tempos do apagão aéreo. Ontem cheguei às 9h ao aeroporto de Vitória, no Espírito Santo, pouco antes do presidente, que de lá partiria para um voo de 40 minutos rumo à plataforma da Petrobrás na Bacia de Campos, mais precisamente para o campo de Baleia Franca, no litoral capixaba. Lá, participou da coleta do primeiro óleo comercial da camada pré-sal. 13 mil barris por dia será a capacidade de produção. E até o fim do ano, 100 mil. Enquanto isso, eu permanecia no aeroporto, gravando stand up pra TV, gerando material. Ao invés do pré-sal, aquela pressão inerente ao nosso trabalho. Normal. Às 14h, o helicóptero do PR aterrissava de volta no aeroporto de Vitória. Pose para fotos com grupos A, B, C e D, e nós aguardando a coletiva que aconteceria, mas foi cancelada, já que ele resolveu falar ali mesmo, durante a sessão de fotos com a miniatura de um barril de petróleo nas mãos. Minha jornada estava quase no fim, antes teria apenas que apurar mais dados, pegar o quebra-queixo do governador do Estado, fechar texto, passar com editor, gravar passagem, offs, ir para o caminhão gerar. É, essa foi a vida que escolhi. Com ou sem pré-sal, é sempre pressão, corrida contra o tempo. Mas como a agenda foi adiantada, 16h15 o material já estava todo em Brasília, pronto para ir ao ar no rádio e na TV. Tarefa cumprida. Agora, ainda me restava esperar até 21h sentada no hall do mesmo aeroporto, quando finalmente decolaria de volta para casa. Só lamento não ter trazido um pouquinho do petróleo para entrar na briga pelos royalties. (rs) Bem que eu merecia, depois dessa jornada...

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Play me, I'm yours

O nome é bem sugestivo, mas não é nada disso que você está pensando. Trata-se de um projeto, no mínimo, muito interessante, de um artista inglês que anda espalhando pelas ruas do mundo pianos para qualquer um tocar. Sim, um convite ousado. Toque-me, sou seu! Só em Nova York foram 60 instrumentos pelas calçadas este ano. Impossível ficar imune ao som dos pianos coloridos e ao convite indecoroso que eles fazem. Se estivesse lá, até eu tocaria  uma das duas pecinhas que ainda lembro de cor dos meus dois anos de aulas de piano. Bons tempos aqueles, a não ser pelas broncas da professora, quando eu não fazia os exercícios de escala e aparecia na aula com dedos enferrujados. Eu não tinha piano em casa para estudar, só meu saudoso teclado, que não é a mesma coisa. Mas isso não é desculpa. As portas da Escola estavam sempre abertas para os incansáveis, que se trancavam em uma das pequenas salas do bloco do piano para fazer dezenas de exercícios repetitivos, porém necessários. Eu não tive essa paciência. Mas admiro quem tem, além de tudo, o dom. Popular ou erudito, piano ainda é meu instrumento favorito. Rima boba, eu sei, mas é a mais pura verdade. Aliás, que saudades de ir a um concerto para ouvir a boa música. O último foi o Requiem da Copa, se assim posso chamar, mas a pianista, pasmem, faltou, e eles sequer puderam apresentar o Choral Fantasy, de Beethoven. Ficaram devendo. Se Brasília tivesse um piano espalhado por cada uma de suas inexistentes esquinas, certamente mais gente teria acesso a esse som maravilhoso, à cultura, ao prazer de dedilhar um instrumento. O artista inglês está de parabéns. Espero que traga de volta a ideia ao Brasil em breve, já que os chamados street pianos só deram o ar da graça em São Paulo em 2008.





Fotos do site oficial de Luke Jerram.

domingo, 11 de julho de 2010

Vida de vidro

Cair e quebrar. Talvez este seja o destino fatal de todas as taças de vidro ou cristal. Um dia elas escorregam da mão ensaboada, ou caem do armário, do nada, ou sofrem um desastrado esbarrão. Tão bonitas outrora, quando reluziam e ressoavam tons diversos. Agora, não passariam de cacos. Nada que o dinheiro não possa comprar de novo. Mas e quando uma vida é feita de vidro? Sim, sensível a qualquer aperto forte de mão, a qualquer movimento mal calculado, ou até a um pulo no chão. Esta semana assisti a uma matéria sobre a síndrome dos ossos de vidro. Rara, mas real. Duas meninas adoráveis, uma delas de quatro anos, frágeis como a mais fina porcelana. Alguns insistiam em dizer: 'sua filha vai a óbito', contou a mãe emocionada, mas ela estava ali, vencendo ano após ano, ainda num carrinho de bebê, sobrevivendo bravamente a esta situação. Certamente o destino dela não será cair e quebrar, mas fortalecer aos que a cercam, muitas vezes com ossos de adamante, porém com emoções de vidro, cheias de melindres. A missão desta linda garotinha talvez seja dizer ao mundo que é possível viver e sorrir, mesmo em meio às tribulações, que no caso dela, não são poucas. Seja jogar na nossa cara que quem transforma a vida em cacos somos nós, basta fazer escolhas erradas. Muito me ensinou aquela singela menina. Peço a Deus que a fortaleça a cada dia, e que ninguém ouse lhe dar um desastrado esbarrão.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Mil quilates

Fazia 9 graus. Mas o calor que vinha de nossos corações derreteria qualquer geleira. Sonho, luta, surpresa, realização, felicidade, entrega. A ordem dos fatores não altera o produto, que se chama amor. Chegar até ali foi algo grandioso, inesquecível, fantástico. Uma história que começara há 5 anos e meio e chegava a um desfecho tão nobre, o casamento. Desfecho que, na verdade, significava início. Início de uma vida nova, novíssima. Aliança maravilhosa criada pelo próprio Deus. Aliança denegrida por quem não conhece a Deus. Aliança de mil quilates de atitude, de escolha, de renúncia. Ah, o ouro. O ouro é apenas um detalhe, mas capaz de suportar vários arranhões, sol, chuva, e continuar brilhando, sem desbotar. Lá estávamos nós, trocando estas alianças pesadas pelo significado, mas leves como uma pluma, que acariciava nossa alma e produzia em nós um sorriso sincero, de um amor verdadeiro. Escolhemos escolher um ao outro. Escolhemos nos dedicar um ao outro. Escolhemos viver sucessos e dificuldades um com o outro, e por aí vai. Vai até que a morte nos separe, e a vida nos una a cada dia mais. Fazia 9 graus. Hoje, faz 5 anos.

Homenagem ao nosso aniversário de casamento. Beg e Gabi. A walk to remember.

Para inspirar quem ainda tem dúvidas, uma letra de Atilano Muradas:

Casar

(Atilano Muradas)

Casar é muito bom, você vai ver.
Não é um mar de rosas
Nem prisão.
Tem horas de paixão
Tem horas de sofrer.
Compensa, é bem melhor
Que a solidão.
Não tem que ser igual
Ao de seus pais.
Não tem que ser melhor
Que o de ninguém.
Só tem que ser vocês
Do jeito que Deus fez.
Cedendo um pouco aqui e ali.

Casar é muito bom, você vai ver.
Não é lua-de-fel, nem só xodó.
Tem horas de entender
Tem horas de prazer.
Contudo, é bem melhor
Que viver só.
Não tem que ser modelo
E perfeição.
Porém, dê todo amor
Que você tem.
Não deixe de dizer:
I love you, minha flor
Não deixe de zelar do seu amor.

Casar é muito bom, você vai ver
Quando se está disposto a crescer.
Tem hora de ouvir
Tem hora de falar.
Respeito e compreensão vão ajudar.
Casar é mais do que viver a dois.
Casar é aprender até morrer.
É ter um só Senhor
Viver prazer e dor.
Casar é investir no grande amor.

Casar. Casar é investir
No grande amor.
É, casar é investir
No grande amor.
Casar é muito bom
Quem vai querer?

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Liquidando desafetos

Um homem mata outro num bar por motivo fútil. Em entrevista, o delegado afirma categoricamente que acredita apenas que o assassino liquidou um desafeto. Simples assim. Como se esta razão fosse plausível. Fiquei imaginando se toda a sociedade resolvesse liquidar seus desafetos desta forma, na base do tiro, da facada, do estrangulamento. Não seria surpresa, já que este mundo jaz mesmo no maligno, mas seria trágico.

terça-feira, 6 de julho de 2010

No meio do caminho

Voltava eu para casa a passos longos e rápidos, com pressa para tomar um belo banho e procurar algo para comer. Lá ia eu pela calçada, olhando para baixo, desprovida de qualquer intenção de parar. De repente, antes do próximo passo, um susto. No meio do caminho, do meu caminho. Olhei para um lado, para outro, estremeci por dentro, pesei minha consciência na balança e ela acusou uma tonelada. Talvez estivesse pesada pelo desvio que fiz na calçada, ou pela preocupação única e exclusiva que eu tinha com meu banho e meu jantar. Talvez pesasse pela constatação de que faço parte da maior parte que não quer fazer a sua parte. Redundante mesmo. Confesso que hesitei em desviar, mas desviei. Desviei assim como as três jovens donzelas que vinham atrás de mim. Fiquei observando de longe, quase voltei, mas optei por prosseguir. Agora já ia a passos lentos, sem pressa, indigesta. Porque o caminho nunca é tão previsível como se espera. No meio dele, naquela esquina mais improvável, pode haver uma pedra de tropeço. Mas muitos não tropeçam, desviam impunes como eu. Mas não faço alusão aqui à expressão latina mea culpa, mea maxima culpa. Afinal, trabalhei o dia inteiro e tinha o direito de querer chegar em casa, tomar banho e jantar. Nada mais natural. O que não é natural, nem aceitável, é que eu ou qualquer outro ser humano se ache superior a alguém que não terá a mesma chance de tomar um banho e jantar. Coisas elementares assim, mas que não fazem parte da rotina de alguns milhões aqui mesmo no nosso independente Brasil. Alguns sem destino andam, andam e de repente caem no meio do caminho, estatelados, zonzos. Como este, no meu caminho. Certamente não havia um chuveiro quente o esperando. Ou um prato de comida. Talvez apenas mais uma dose o aguardasse na próxima esquina, caso ele conseguisse chegar lá. Mas por que cargas d’água a gente rotula todo aquele que se estatela no chão de bêbado? Talvez bêbados sejamos nós, tontos de tanto girar em torno de nós mesmos, até cair numa cama quentinha e apagar. Talvez não queiramos enxergar que a maior doença do mundo pode ser a falta de amor por quem está de pé e por quem está caído. Mas, talvez, ele estivesse mesmo bêbado, deixando pelo caminho sua moral, sua identidade. O álcool o derrubou com uma rasteira quase que fatal. Triste cena. Triste sensação de impotência. Assim me senti naquela volta para casa. Ébria. E assim como Drummond, nunca me esquecerei desse acontecimento. No meio do caminho, um homem.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Voa, voa passarinho

Esse pedacinho da minha mãe ficou guardado em mim desde que ela o recitou pela primeira vez, eu devia ter uns 5 anos.

"Voa, voa passarinho.
Por que não queres voar no céu azul?
É tão bonito te ver voar pelas alturas.
É tão bonito te ver voar por sobre o mar!
As suas asas batendo em harmonia
E o seu canto se espalhando pelo ar
Oh, passarinho, porque não queres voar?"

Fátima Santos

Bolachões

“Queria fazer agora uma canção alegre, brincando com palavras simples boas de cantar” Milton Nascimento.

Das lembranças que tenho de meu pai, as mais doces, tristes e alegres estão naquela sua coleção de discos de vinil. Coleção variada, com o melhor da música brasileira e internacional. Gosto bom o do meu pai. E me intriga a história dos bolachões. Quando ele acordava alegre e empolgado num fim de semana, era naquele acervo da nossa estante que ele procurava a trilha sonora do dia. Quando estava triste e deprimido, também era lá que ele encontrava refúgio para traduzir seus sentimentos. Ah, os discos. Uma Legião não só Urbana, mas de todo canto, de todo timbre. Vinis para mim didáticos. Com o primeiro disco de Madonna fui capaz de aprender inglês, pasmem. Aos 12 anos de idade decorei diversas músicas, apesar do significado ter vindo só mais tarde. Também decorei Faroeste Caboclo, questão de honra para os adolescentes de 13 e 14 anos na época. Música para Acampamentos e trilha das escolas, mesmo as de freira, como a minha. Também conheci Milton Nascimento, e gostei, apesar das músicas dele terem, para mim, tom de nostalgia e saudade. Aquela que ele canta com um coral infantil em Minas Gerais era a minha favorita. Papai sabia disso. Às vezes ele se fazia de DJ. Era capaz de passar um dia inteiro nos embalando com sua música, sem parar. Mudava de faixa com destreza para não deixar a agulha arranhar o disco. Reduzia o volume de um quando ia partir para outro e dava um jeitinho de colocar bem rápido o vinil para que a troca ficasse quase imperceptível. Nada de tecnologia de vários discos no mesmo aparelho. Era um de cada vez, e cada vez, uma emoção. Porque música é emoção. Ela traduz perfeitamente uma noite de chuva ou uma manhã de céu sem nuvens. Traduz cada momento da minha vida. Quem é que não tem uma trilha sonora para cantar ou contar a própria história? Que falta me fazem aqueles discos, vendidos a preço de banana para um sebo qualquer da cidade. Perda incalculável e irreparável de algo que hoje seria meu maior tesouro, porque guardaria comigo um pedaço bem presente do meu pai.

Finitos

Ele não resistiu. Talvez cair do décimo andar não seja tão doloroso quanto ouvir esta frase. Ninguém fica imune diante da realidade dura, irremediável e intransigente que se chama morte. Ela não espera que se dê adeus. Ela não permite que se faça o último pedido. Ela, quando vem, vem. A morte é resistente aos apelos e lágrimas mais comoventes e comovidos. É irredutível, severa. Pior que qualquer ditador, mais cruel que qualquer tortura. Ela não dá outra chance, não brinca em serviço. A morte não faz promoção de ida e volta. É só ida, sem pechincha, sem acordo. E o preço, pela hora da morte, é imensurável, caríssimo. Quem paga a fatura são os que ficam, vivendo a saudade, saudade, mil vezes saudade de quem foi.

Este texto é dedicado ao meu querido pai, Amaral Sales, do qual não me despedi. A morte veio sorrateira no dia 05 de dezembro de 2006 e o levou de mim. Ele não resistiu.

domingo, 4 de julho de 2010

Como ficar de férias o ano inteiro

Será que já existe título tão sugestivo nas prateleiras de auto-ajuda? Se existisse algo como tal, talvez figurasse entre os 10 mais vendidos. Afinal, quem não quer ficar de férias o ano inteiro? Mas explico. Certa manhã, exatamente às 7h30, fomos a uma consulta, eu e meu marido. Chegando lá, o médico levou apenas alguns minutos para nos chamar ao consultório. Conversa vai, conversa vem, o gastro chegou até a desenhar um estômago para explicar com detalhes onde fica a tal da cárdia e o motivo do seu alargamento. Preciso dizer que, como desenhista, ele é um ótimo médico. Mas deu para entender o fundamental: os conservantes dos produtos que consumimos estão mudando até o funcionamento dos nossos órgãos. Isso me faz pensar que aqueles documentários sobre comida são mais sérios do que se imagina. Enfim, resultado é que terei que fazer a primeira endoscopia da minha vida e o meu marido terá que retornar ao consultório em 30 dias para ver se a dieta e o remédio para gastrite fizeram efeito. Mas o que isso tem a ver com férias? Nosso querido médico foi o autor da ilustre frase que me fez refletir. Quando perguntei se ele pretendia tirar férias em julho, data em que seria o retorno do meu marido, ele simplesmente disse: “Férias? Aqui estou de férias o ano inteiro!” Afinal, o que faz um médico que vive madrugando para atender pacientes que não sabem sequer onde fica a cárdia e tem que fazer o mesmo desenho exaustivamente para todos se sentir de férias? Que toda semana vê sangue, abre e fecha pessoas, lida diariamente com a doença e os doentes, com perdas e danos? Sim, em resumo, ele ama o que faz. Porque quem ama não vê o tempo passar, não faz caso de ficar além do horário, tenta contornar as situações adversas com bom humor, simpatia e cordialidade. Bem, pelo menos, deveria ser assim. E nós? Amamos o que fazemos? Fazemos o que amamos? Nos sentimos de férias vestindo a roupa para ir trabalhar? Quem sabe um dia eu chegue a este nível. Quem sabe eu troque as murmurações pela singeleza de pensar que meu trabalho é como um cruzeiro. Uma viagem agradável e inesquecível. Se as pessoas encarassem a vida assim, certamente teriam menos gastrite nervosa, fariam menos endoscopia, e dariam mais férias aos gastroenterologistas.

Requiem do Brasil na Copa

Sexta-feira, 02 de julho de 2010. Data fatídica para o futebol brasileiro. Fatídica por que o assunto aqui é levado a sério. Fuga do trabalho e das preocupações. Afinal, quem se lembra dos danos da enchente no Nordeste durante os 90 minutos cruciais para uma classificação na semifinal? Até o presidente para a agenda e veste a camisa. Aliás, neste dia ele estava embarcando para o giro no continente africano. Pena que a final que ele assistirá não terá verde-amarelo. Quando a Holanda virou o jogo, a esperança, que costuma ser a única que morre, morreu e foi enterrada junto com o hexa. Os brasileiros começam a procurar culpados. Dunga, Felipe Melo, Kaká, Jabulane ou o árbitro? A busca pelos culpados varou o dia e a noite. E enquanto muitos preferiam a ressaca da derrota, preferi mudar de assunto e esquecer esse episódio. Lá fomos nós e um casal de amigos, no frio de 16 graus daquela noite seca, assistir a um concerto. Coral Comunitário da UnB. Ao pegar o programa, dei de cara com um Requiem do italiano Luigi Cherubini. Pudera. Um Requiem para terminar de sepultar o hexa. Para dar adeus ao sonho de voltar para o trabalho mais cedo na terça-feira, dia da semifinal. Ironias a parte, e parafraseando Cherubini, “Requiem aeternam dona eis, Domine, Et lux perpetua luceat eis.” Tradução: “Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno. E a luz perpétua os ilumine.” Até 2014, em chão brasileiro. Aí eu quero ver.

PS: Também dedico este Requiem ao prezado Maradona e sua equipe, que engoliram 4 jabulanes antes de voltar para casa.

Domingo, pra que te quero

Sabe aquele dia em que você não quer olhar para nenhuma roupa social e nem mesmo para a calça jeans? Em que qualquer vestidinho de chita cai bem, ou qualquer roupa de malha, ou um short com camiseta? Para os homens, basta uma bermuda. Esse dia chama-se Domingo, em maiúsculo pela força que representa. Dia santo, literalmente. Dia escolhido, separado para cuidar da alma e da mente. Dia de se desligar da rotina, do trânsito estressante, do chefe prepotente, e se ligar na família, no sol, nas flores que você ainda não tinha prestado atenção. Dia de andar descalço, ou de tênis, ou de rasteirinha, que seja. Dia de andar. Andar sem compromisso, no compasso da vontade e não do tempo escasso. Uma caminhada no parque cai sempre muito bem.

E o almoço de Domingo? Momento sagrado que escala de trabalho nenhuma deveria anular. Se os legisladores soubessem quão importante é o Domingo, proibiriam veementemente qualquer trabalho nesse dia. Que se fechem os shoppings e lanchonetes, supermercados e restaurantes. Que a televisão saia do ar. Vamos celebrar o encontro humano, trocar palavras e risadas com nossos queridos, que não curtimos durante toda a semana. E aqui fica um tributo aos médicos e enfermeiros, policiais e bombeiros, únicos que precisam, de fato, trabalhar, ou melhor, salvar vidas de domingo a domingo. Mas que a escala seja justa e equilibrada.

O acordo coletivo de um certo lugar determina que a cada sete domingos a criatura deve folgar no mínimo dois. Nunca se viu tanta insensibilidade, afinal, sete domingos significam quase dois meses inteiros. Que regra é essa que priva alguém de desfrutar de momentos indispensáveis à saúde física, mental e espiritual? Só um domingo por mês de folga é uma afronta ao relacionamento familiar e a auto-estima. Gera seqüelas, gera até depressão. Quem, afinal, resiste ileso a um dia tão lindo dentro de uma sala fechada com um maldito ar-condicionado enquanto os outros saem pela rua sem pressa, sem compromisso... Um grito de liberdade aos empregadores sanguessugas, que descansam com sua família no Domingo enquanto “Os Miseráveis” cumprem uma escala sórdida. Abaixo as escalas de domingo. E viva a liberdade de não fazer nada.

O fantástico mundo do Blog

Por muito tempo adiei essa estreia no fantástico mundo do blog. Tenho guardado coisas que queria compartilhar. Tenho entulhado palavras na pasta Meus Documentos, onde ninguém nunca iria achar. Por isso decidi fazer de uma vez por todas esse passaporte para o espaço virtual, esse lugar sem limites, cheio de destinatários e remetentes que têm um objetivo em comum: Comunicar-se. Falar de mágoas, sucessos, impressões, percepções. Espaço de desabafo, de notícia quente ou fria, boa ou ruim. A partir de agora deixo a singularidade do meu computador para chegar a esta rede. O endereço da minha inspiração, ainda que rara, passa a ter '.com' como logradouro.

"Criar filhos ou criar obras de arte é sempre um ato de amor, mas o escritor pratica esse ato sozinho. Se não fosse o fato de existir o leitor, ele estaria praticando um ato solitário, chamado vício solitário. Mas ele tem esse leitor. Por isso que eu cultivo tanto o leitor, porque o amor se faz pelo menos a dois". Afirmou Fernando Sabino no filme 'O Encontro Marcado'.