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Jornalista, casada e amante das palavras. A pernambucana mais brasiliense de todas.

terça-feira, 6 de julho de 2010

No meio do caminho

Voltava eu para casa a passos longos e rápidos, com pressa para tomar um belo banho e procurar algo para comer. Lá ia eu pela calçada, olhando para baixo, desprovida de qualquer intenção de parar. De repente, antes do próximo passo, um susto. No meio do caminho, do meu caminho. Olhei para um lado, para outro, estremeci por dentro, pesei minha consciência na balança e ela acusou uma tonelada. Talvez estivesse pesada pelo desvio que fiz na calçada, ou pela preocupação única e exclusiva que eu tinha com meu banho e meu jantar. Talvez pesasse pela constatação de que faço parte da maior parte que não quer fazer a sua parte. Redundante mesmo. Confesso que hesitei em desviar, mas desviei. Desviei assim como as três jovens donzelas que vinham atrás de mim. Fiquei observando de longe, quase voltei, mas optei por prosseguir. Agora já ia a passos lentos, sem pressa, indigesta. Porque o caminho nunca é tão previsível como se espera. No meio dele, naquela esquina mais improvável, pode haver uma pedra de tropeço. Mas muitos não tropeçam, desviam impunes como eu. Mas não faço alusão aqui à expressão latina mea culpa, mea maxima culpa. Afinal, trabalhei o dia inteiro e tinha o direito de querer chegar em casa, tomar banho e jantar. Nada mais natural. O que não é natural, nem aceitável, é que eu ou qualquer outro ser humano se ache superior a alguém que não terá a mesma chance de tomar um banho e jantar. Coisas elementares assim, mas que não fazem parte da rotina de alguns milhões aqui mesmo no nosso independente Brasil. Alguns sem destino andam, andam e de repente caem no meio do caminho, estatelados, zonzos. Como este, no meu caminho. Certamente não havia um chuveiro quente o esperando. Ou um prato de comida. Talvez apenas mais uma dose o aguardasse na próxima esquina, caso ele conseguisse chegar lá. Mas por que cargas d’água a gente rotula todo aquele que se estatela no chão de bêbado? Talvez bêbados sejamos nós, tontos de tanto girar em torno de nós mesmos, até cair numa cama quentinha e apagar. Talvez não queiramos enxergar que a maior doença do mundo pode ser a falta de amor por quem está de pé e por quem está caído. Mas, talvez, ele estivesse mesmo bêbado, deixando pelo caminho sua moral, sua identidade. O álcool o derrubou com uma rasteira quase que fatal. Triste cena. Triste sensação de impotência. Assim me senti naquela volta para casa. Ébria. E assim como Drummond, nunca me esquecerei desse acontecimento. No meio do caminho, um homem.

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