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Jornalista, casada e amante das palavras. A pernambucana mais brasiliense de todas.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Mão de Mãe

Quando mais precisei, lá estava ela. Quando chorei, quando sorri, quando falhei, tropecei e caí, lá estava ela. Estendida, incansável, forte, segura, reconfortante. No cafuné para eu dormir, na massagem com Vicky Vaporube para eu sarar, na palmada, rara, para eu aprender, no carinho para eu amar. Amar e admirar cada gesto, motivado pela dádiva de se dar. E haja gestos, inumeráveis. Estava ali para mexer o mingau de Cremogema que eu tanto gostava, para fazer aquela couve-flor empanada que sou apaixonada, para esticar o cobertor de uma criança chata com eu, que não queria uma ruguinha sequer. Ela estava lá para também ir à luta diariamente, para datilografar na velha máquina de escrever, aquelas reportagens que viraram muitas manchetes. Furos que lhe renderam espaço e admiração no meio. Nas horas vagas, costumava escrever poesias, também cheias de inspiração. Mas ela se multiplicou por mais duas iguais a mim. Com a mesma força, mesmo amor, mesma entrega, mexeu leite com Nescau na caçarola, colocou em centenas de mamadeiras, levou para escola, carregou a mochila, ajudou a fazer dever de casa, segurou as pontas, todas elas, muitas vezes, sozinha. Também se multiplicou por outras vidas que dela precisaram, e ainda precisam. Avó, avô, tio, tia, sobrinho, sobrinha, cunhada, neto. Lá está ela suportando o peso das situações, que não são das mais fáceis, ou apenas disposta a acariciar, a segurar firme e não mais largar. Esta é a trajetória de quem já cultivou vários jardins coloridos nos caminhos por onde passou, já regou de lágrimas muitas noites mal dormidas, e já as secou. Já regeu uma orquestra de problemas buscando todas as soluções. Já escreveu e ensinou lições de cidadania, lições de vida, lições de amor. Sempre com a paciência, a doçura e a tolerância que lhe são peculiares. Apresento a vocês a mão. A mão de mãe, de minha querida mãe, que afaga até hoje os meus anseios e acalenta meus devaneios. Quero segurar nela e nunca mais largar.

Elásticos de família

Sim, parece e é bobo esse trocadilho. Mas não costumam chamar as relações familiares de laços de família? Pois bem, no meu caso, esses laços se tornaram elásticos essa semana. Ribeirão Preto, Petrópolis, Curitiba, Brasília. Todo mundo espalhado, esparramado por esse Brasil... Eu em Ribeirão, e daqui a dois dias sigo para Foz do Iguaçu e por fim para Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Outros em Curitiba, com minha querida tia Virgínia. Irmã caçula vivendo em Petrópolis. E meu amado em Brasília, segurando as pontas dos elásticos que no separam por ora, mas em breve voltam com toda força ao aconchego familiar. Lá no Distrito Federal também estão tios, primos, vovô. Mas apesar da proximidade, também são elásticos bem esticados os que têm nos unido, ou talvez, desunido, ultimamente. Cada um tem estado no seu quadrado. Quinta passada fui visitar meu avô, de 80 anos. Passei parte da manhã com ele. Caminhamos até achar uma sombra para nos proteger daquele sol escaldante. Sentamos num banquinho, comemos um doce de banana, batemos um papo e no caminho de volta, ele quis subir numa árvore. Sim, para meu espanto. Subiu na raiz, e como era o degrau mais alto que podia alcançar, começou a retirar pedaços de casca da velha árvore. Ele me dava para segurar e ia lá colher mais matéria-prima para algo que passara pela sua cabeça. Depois de satisfeito, voltamos cheios de pedaços de árvore nas mãos. Bebemos um pouco d'água e precisei me despedir. O sorriso dele foi embora. Percebi que ficou tristonho. Quando saí, ficou lendo uma revista. Meu coração ficou apertado durante todo o dia que se seguiu. Fiquei pensando que nossa ausência machuca o vovô tanto quanto ele machucou aquela velha árvore, tirando pedaços generosos de seu caule. Também, pudera, alguns já esticaram tanto o elástico que ele deve ter até arrebentado. Vivem distantes, reticentes. Quem sabe um dia esses elásticos voltem a ser laços bem amarrados. Enquanto isso, cada um no seu quadrado.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Janelas


– Janela, por favor – Solicitei no balcão de check in. Não me importo de enfrentar a claustrofobia das poltronas apertadas. O que quero é olhar o céu, as nuvens, a névoa seca, os caminhos que o homem traça no meio do nada, os rios que cortam esse caminho. Do alto, consigo enxergar como somos pequenos diante dessa imensidão. E quando cansar, recosto a cabeça na janela e sonho com a chegada a um lugar desconhecido. Lugar que estará depois desse céu, dessas nuvens, dessa terra. Mas já sei, como de praxe, que o piloto vai interromper o meu sono subitamente com informações meteorológicas. Boa tarde, senhores passageiros... Nesse momento, nota-se que algumas pessoas pulam na poltrona, tamanho o susto. Uma delas sou eu. Depois de saber inutilmente a velocidade da aeronave e a quantos pés de altura estamos, em português e inglês, volto a olhar pela pequena janela. A cidade começa a se aproximar. Se o destino fosse Salvador, já veria o mar. Colírio para os olhos. Mas dessa vez, uma cidade seca. Cercada por vários focos de incêndio em plena floresta amazônica. Se eu não estivesse na janela, perderia tudo isso. Aterrissamos. 40ºC. Sensação térmica: 45ºC. Garganta e olhos intoxicados pela fumaça. Chegamos em Porto Velho, para mim, novo. Da janela do carro vejo um pouco da face do norte do país. Rodando atrás de um hotel. Da janela do hotel vejo uma pizzaria. É lá que vou matar minha fome durante essa estadia. Cinco dias depois, volto ao aeroporto. Janela, por favor. Não tinha, só meio e olhe lá. Precisei me espremer entre duas poltronas, sem janela, sem paisagem, com uma revista que já havia lido até de trás para frente. Quem mandou esquecer de levar um livro... Fecho os olhos e só abro na chegada. Roubo um pedaço da janela da passageira ao lado, sem que ela perceba, e vejo a estufa cor-de-rosa que Brasília se torna nesse inverno seco. Não dá nem para identificar seu traçado, suas asas. Tamanha a névoa. Tamanha também era minha saudade de olhar da janela de casa. De janela em janela, o tempo vai passando, o vento vai soprando, e dando nova forma às nuvens e à vida que se esconde atrás da janela da alma.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Pela estrada

Minha vida é andar por esse país, já cantava Luiz Gonzaga. Hoje, canto eu. Lema que tenho carregado nas últimas semanas, quando vou do sertão à neve, de cidades destruídas a Cúpulas cheias de protocolos, de hotéis de beira de estrada a pousadas na beira do mar. Essa foi a ocupação que escolhi. Seguir por aí narrando fatos. E haja fatos, sejam eles fatídicos ou nada factuais. Mas estão ali, prontos para serem apurados, escritos, noticiados. E eis o ofício do jornalista, levar essa informação quentinha ou requentada para os ouvintes, leitores, telespectadores, críticos, curiosos, seja lá quem for. Aqui tenho buscado narrar um pouco dos meus fatos, sem ter a pretensão de me tornar notícia. Aliás, por falar nisso, fiquei surpresa com o costume de colegas argentinos de entrevistarem os próprios jornalistas, de tê-los como fonte. Eu estava à espera da coletiva do presidente, atrasada em mais de uma hora, escrevendo no lap top, quando de repente, uma periodista loira se aproximou de mim com um gravador hablando español e fazendo preguntas. Meio sem jeito arrisquei meu portunhol, pois ela estava ao vivo numa rádio de San Juan. Logo depois, seu colega da Rádio Universidad veio até mim da mesma forma e ainda me passou para uma pergunta direto do estúdio. Pode? Pode. Cada lugar com sua peculiaridade, sua excentricidade, suas faces fáceis ou difíceis. Difícil também foi ver de perto a situação dos desabrigados de Palmares, cidade pernambucana que foi devastada pela enchente em junho. Esgoto a céu aberto, crianças descalças, combinação perigosa. Comida não faltava, nem para os cachorros, já que a empresa Pedigree se compadeceu dos vira-latas e doou uma montanha de sacos de ração. Motivo de risada para os desabrigados, já que os bichanos querem mesmo o arroz com feijão, como estão acostumados. Mas, se o que vale é a intenção, valeu Pedigree. Fora a fartura da comida, farta tudo, como diz o povo. Conforto, privacidade, saúde. Itens em completa escassez por ali. Mas para a Maria Veronilda, coordenadora do abrigo, não falta força de vontade e esperança. Como cidadã, ela dá uma lição de solidariedade. Está ali dedicando seu trabalho a vidas que realmente precisam. Como psicopedagoga, cria formas de entreter a criançada para que não fiquem ociosas e ansiosas o tempo todo. Valeu a pena conhecer pessoas como a Veronilda. Pois como também dizia Gonzaga, vou guardando as recordações das terras onde passei, andando pelos sertões e dos amigos que lá deixei. Amanhã cedo embarco para Divinópolis, em Minas Gerais. De lá, sigo para Rondônia. Longe de casa, sigo o roteiro. Pra ver se um dia descanso feliz. E a saudade no coração.

Goiano Carioca

Hoje só quero ter certeza que jamais me esquecerei de meu pai, do seu jeito peculiar de ser, despachado, engraçado, talentoso, sem igual. Aquele que me pegou no colo, que me mostrou o mar, que me ensinou a me equilibrar nas ondas, que me fez cosquinhas, que me equilibrou em seus joelhos fortes, que me ensinou a não falar errado, a não deixar comida na beira do prato, a gostar de música popular brasileira. Também me ensinou a valorizar o que a gente tem, a pedir perdão quando se está errado, a reconhecer o erro. Me fez rir com a piada da aranha no espelho, do alemão e outras tantas que não me lembro agora. Me ensinou a orar, no quarto escuro, de portas fechadas. Me mostrou um pouquinho do Brasil, dirigiu milhares de quilômetros, me levou e me buscou da escola. Me incentivou a ser uma boa profissional e a ganhar dinheiro trabalhando “pouco”, claro. Meu pai foi (difícil conjugar esse verbo no passado) assim. Canhoto, o goiano mais carioca de todos. Cheio de defeitos, mas com qualidades inesquecíveis e bem pesadas na balança da saudade.

Hoje dou graças a Deus por ele um dia ter tido um encontro genuíno com Jesus em sua juventude e o nome Amaral Sales escrito no livro da Vida. E isso não se perde.

Uma homenagem póstuma pelo Dia dos Pais.

domingo, 1 de agosto de 2010

Pé no chão

Um dia, exausta, eu caminhava de volta para casa e uma senhora vendo meu sofrimento a cada passo olhou para mim e falou: minha filha, desce dessa escada! Ela se referia ao maldito sapato alto, que arrasou meus pés, minhas pernas, minha coluna, meu dia. Se não fosse esse par de mules, certamente aquela quarta-feira teria sido mais feliz. Tive que continuar a minha via crucis por mais alguns metros, quando, finalmente, depois de subir três andares, desci da escada do desconforto. Não sei que fim levou aquele sapato. Espero que não tenha ido estragar o dia de outra. Por isso faço aqui um tributo a todos os sapatinhos rasteiros, às sandálias rasteiras, aos chinelos, às havaianas. Abaixo o salto agulha, salto Luis XV, salto plataforma, salto sei lá o que. Descer do salto faz bem à saúde, é liberdade de ir e vir sem ter que se equilibrar. Versatilidade. Essa é a palavra. Salto alto pode ser bonito o quanto for, mas não convence os meus calos. Viva o sapato baixo!

OBS: Tive que comprar uma bota rasteirinha aqui em San Juan. Questão de vida ou morte!

'Fri da muléstia'

Lembrar da frase típica nordestina do meu sogro até me aquece nesse inverno argentino. Sim, de Pernambuco, aqui estou em San Juan, uma província argentina bem pertinho do Chile. Cidade tranquila, com cara de interior. A torre da igreja demarca a praça do centro, como manda o figurino. As badaladas do sino soam de hora em hora. O hotel fica a sete quadras de lá, um passeio agradável a pé. Andar ajuda a espantar o frio. Pelo caminho, uma escola, alguns prédios públicos, pequenas padarias, calçadas em manutenção e alamedas de árvores sem folhas, a cara da estação. Difícil é atravessar as ruas com cruzamentos e nenhum semáforo no centro. Mas vencida esta etapa, muitas lojinhas e galerias convidam a algumas compras, já que estão em liquidação. Artigos de frio são os mais vendidos, pois casacos e botas são itens de primeira necessidade aqui. Restaurantes que servem a típica parrilla também estão espalhados por San Juan, que na verdade não está acostumada a receber um volume grande de turistas. Os sanjuaninos até já espalharam pela cidade faixas de agradecimento do tipo: 'Gracias por visitar San Juan!', 'Bienvenidos, Presidentes!' Uma chuva de brasileiros, paraguaios, uruguaios, venezuelanos e toda sorte de sulamericanos invadiram as ruas da Ciudad, a espera da Cúpula do Mercosul, sediada aqui pela primeira vez. E ao contrário do que o nosso imaginário popular brasileiro pensa, os argentinos dizem admirar o Brasil, e se não foram passear por lá ainda foi por falta de dinheiro, não de vontade. As rixas se restringem aos estádios de futebol. Ainda bem. Outra coisa marcante é a hora da sesta, sagrada. Eles fecham tudo às 15h e só reabrem às 17h, depois do cochilo que especialistas confirmam, faz bem à saúde. Bom para eles, porque enquanto isso temos que trabalhar. Ainda bem que o Centro de Imprensa fica debaixo da janela do Hotel. Lá será nossa casa durante a Cúpula, protegidos desse 'fri da muléstia'. Até a volta para me aquecer nos braços de meu amor.