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Jornalista, casada e amante das palavras. A pernambucana mais brasiliense de todas.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Palavras perfumadas

Apaixonada pelas palavras, a menina cismava em preencher aquelas folhas perfumadas dos diários cor de rosa que ganhava da mãe. Eram sonhos, devaneios, histórias sem pé nem cabeça, mas sempre com o coração dela impresso em cada frase. Com a letra arredondada, fruto de horas a fio nos cadernos de caligrafia exigidos pela professora, expressava o que tinha de mais puro, travesso, bobo, profundo. Textos coloridos de sentimento, que a transportavam para um mundo só dela, que de solitário não tinha nada. As palavras eram fiéis companheiras de toda e qualquer hora. A menina cresceu, as páginas com cheiro de lavanda deram lugar a um sem número de bloquinhos de papel reutilizado, e a letra arredondada se transformou em garranchos que tinham o dever de transcrever a fala rápida de um entrevistado. Os registros de sonhos e devaneios viraram aspas extraídas de uma coletiva de imprensa, sem eu-lírico, sem narrador-personagem. Ela tornou-se uma mensageira de fatos, uma porta-voz de relatos que exigiam a máxima imparcialidade, a não ser que quisesse ser acusada pelo editor de fazer juízo de valores. Aquele mundo escrito não era mais só dela, era compartilhado com leitores, telespectadores e ouvintes anônimos, aos milhares. E as palavras, ah, as palavras, continuaram sendo fiéis companheiras, mas travestidas de instrumento de trabalho. Sem figuras de linguagem, sem excessos, sem vírgulas fora do lugar. De vez em quando, um nariz de cera para ajudar a engolir um bocado seco de realidade, mas não bastava ser verossímil, tinha de ser verídico, sob a mira da ética profissional. Mas o que tornava esse labor fascinante, ainda que sem o perfume de outrora, eram os personagens que davam vida a cada narrativa e os acontecimentos que marcavam a história de muita gente, e precisavam ser contados. Ela já não mais era protagonista dos fatos que narrava, mas testemunha ocular da história. Sem demagogia. Fatos políticos, dramas sociais, tragédias, histórias de superação, grandes eventos, políticas públicas, descobertas científicas, relações internacionais, acordos multilaterais, crises e marolas. De tudo, um pouco. E no meio do todo, aquele universo particular bem guardado, com a mesma essência, o mesmo faro, a mesma paixão que há muito desenvolveu pelas palavras, por cada significante e significado. Paixão que não se perdeu com o tempo, não esfriou, mas ganhou traços de maturidade. Às vezes, a jornalista sente falta daquela menina, das frases bobas e travessas. Da letra arredondada, mais caprichada que qualquer fonte de computador. Do sentimento que coloria aquelas páginas. Mas as palavras, estas, fieis companheiras, jamais deixarão de ser perfumadas.

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