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Jornalista, casada e amante das palavras. A pernambucana mais brasiliense de todas.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Sem meias palavras


Acabou. Não há mais som, nem melodia, só o ritmo cortante do silêncio da máquina de escrever. O papel estancado sangra de agonia. As palavras, todas elas, partiram sem dizer adeus. Sem dizer se voltam. Sem simplesmente dizer. Nada. Deixaram para trás uma lágrima, um desejo, uma saudade. Saudade de ser, de inventar, de desconstruir ou de imaginar.
Não é a primeira vez, tampouco será a última. Mas partir assim, sem dar satisfação, ah, isso não se faz. Não se dilacera um coração impunemente. Não se rompe um relacionamento sem a pena amarga da solidão, ainda que momentânea. Devem estar, todas elas, as palavras, espalhadas pelo vento, sem eira, nem beira, nem sentido.
Estão por aí, vagando, tais quais andarilhas fora do contexto, incapazes de ser. Nada. Porque elas, todas elas, as tais palavras, avulsas são como pequenos trocados, desafortunadas. Quem elas pensam que são para fugir sem rumo, eira, beira? Donas da razão não são, porque sem o texto, esgotam-se em si mesmas. Fora do contexto, são terra de ninguém.
Longe da máquina de escrever, da solitária máquina de escrever, são apenas vagas lembranças de quem um dia foi, inventou, desconstruiu, imaginou um lugar incomum, uma saga, uma história. Ingratas. Isso é o que elas são.
Mas antes de tudo são livres. Livres para ferir, indagar, persuadir. Para quiçá tirar férias de quem as quer domar, significar ou restringir. Talvez cansadas de serem subordinadas a esta ou àquela oração. Um grito de socorro. Ode ao texto. Claro pretexto.
Contem mais, ricas palavras, que de desafortunadas não têm nada. Para onde foram? Querem negociar? Vocês voltam e eu, humildemente, as deixo falar. Insignificante que sou sem tê-las à mão. Vamos lá, não me escapem novamente entre os dedos. Vamos reatar esse caso antigo, sem ressentimentos.
A partir de agora reconheço que não existem mais meias palavras, só inteiras e cheias de intenções. Cabe a mim calar e deixar que digam. Tudo. Afinal, fazer as pazes com vocês, fujonas palavras, significa um doce recomeço. Sejam sempre bem-vindas. E que isso não se repita.
(texto também publicado pelo Caso Antigo
na Obvious Magazine)

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