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Jornalista, casada e amante das palavras. A pernambucana mais brasiliense de todas.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Motivos de sobra


Ela nunca teve muito tempo para chorar ou para sorrir. Motivos sim. Esses permeavam cada minuto espremido no meio de muito trabalho, três filhas, marido e irmãos. Todos, em alguma medida, dependentes diretos dessa força, que raramente esmorecia. Talvez se debulhasse em lágrimas durante um banho um pouco mais demorado ou no quarto fechado. Ou encharcasse a alma sem que ninguém ao redor percebesse. Um choro contido, engolido, para no dia seguinte expressar a mesma força de mulher guerreira. Depois veio um neto, dois, três. De repente, essa mulher madura, mãe dedicada de três meninas, viu no espelho o rosto da avó de três meninos. Paradoxo da vida. Agora, reaprende a mimar e ninar os novos xodós. Por eles também doa grande parte do seu precioso tempo, ainda espremido no meio de muito trabalho, e muitos percalços que talvez o tempo, só ele, possa dar jeito. Mas o tempo não espera, nem vacila. Simplesmente segue. Parece acelerado, mas os ponteiros percorrem incólumes a circunferência do relógio com a mesma marcha impecável de muitos séculos. Só que, por vezes, os fatos atropelam esse percurso e tudo o que outrora se planejava escapa entre os dedos. O mundo despenca novamente em suas mãos, já calejadas pela falta de tempo ser ser, simplesmente, ela mesma. Tempo de viver, de sorrir, de chorar. De acordar calmamente e se espreguiçar sem ter que dar satisfação a ninguém, de enfeitar a casa com flores, de sentir o perfume delas, de tomar um banho demorado só para se deleitar, de tomar um capuccino despretensioso num café da cidade quando bem entender, de escrever poesias, de viajar, de gastar consigo mesma o fruto de tanto trabalho, de tocar novos projetos profissionais com tranquilidade. Tempo de sair por aí pilotando o próprio carro e a própria vida. Será que ele vai chegar? Será que vai ser generoso o suficiente para desacelerar até que os percalços se resolvam? Mas fato é que eles, os percalços, não param de aparecer aos montes. Esses não tem sido generosos. Tentam, a todo custo, esmorecer essa força, desanimá-la, roubar a energia, mas nunca a esperança. E que essa esperança renasça a cada dia nublado, que a janela esteja sempre aberta para receber raios de sol, ainda que tímidos, mas capazes de aquecer qualquer dia frio. E que sobrem motivos para ser feliz e tempo para celebrá-los.