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Jornalista, casada e amante das palavras. A pernambucana mais brasiliense de todas.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Bocado seco

Queria fazer agora um texto alegre, brincando com palavras simples, boas de contar. Começo parodiando Milton, para dizer que até o simples é complicado. Aquele ponto percentual solitário da inspiração me deixa a ver navios nesse mar de terra do Cerrado. Não consigo pensar em mais nada a não ser no mar. Ou no rio, ou na chuva que, além de umidade, traz sempre um quê de melancolia e um fôlego novo para as palavras. Mas a seca assalta minha imaginação. Leva de mim até a última gota de pensamento. Deixa minha mente empoeirada. Tudo ao redor é sem cor, sem a vivacidade do verde. Só o ipê amarelo dá o ar da graça e, de graça, nos alegra o dia. Mas até o azul do céu se rendeu à névoa cinzenta e à fumaça densa que tanto incomoda os pulmões. A fartura de outrora, agora é escassez. É um bocado seco de ideias, que não passam de vãs repetições. Mas se o mar não vem me socorrer, a chuva há de cair e trazer de volta minhas palavras simples e complexas, meus textos alegres ou tristes, minha prosa, minha poesia. Enquanto isso, conto gotas de saudade, para não desperdiçar.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Balanço Geral

Entre margaridas e cravos, salvaram-se todos, menos Wagner Rossi. A semana ainda não acabou, mas até aqui foi uma avalanche de acontecimentos que já permitem um balanço, ainda que parcial. 70 mil campesinas do país se alojaram no Pavilhão do Parque da Cidade para a quarta Marcha das Margaridas. Os motivos eram de força maior: combate à violência no campo, que matou Margarida Alves em 1983, melhorias no trabalho e outros benefícios, tudo já bem costurado com o governo. Elas andaram do Parque ao Congresso e deixaram milhares de motoristas aborrecidos. Pudera, carros e margaridas não ocupam o mesmo lugar no espaço. A divisão das faixas foi meio a meio, mas isso não foi suficiente. O engarrafamento foi inevitável. Mas embora os jornais locais só falassem dos transtornos do trânsito, elas não pareciam amarguradas, seguiam cantando. Especialistas já viram o congestionamento por outro ângulo: a culpa é do transporte público ineficiente, que não pode socorrer a população num dia atípico como este. Mas é mais fácil colocar a culpa nos movimentos sociais. Como se Brasília não fosse a capital federal e legítimo palco de manifestações democráticas. Brasilienses devem saber desta natureza, diferente de qualquer outro canto do Brasil. Ossos do ofício. Mas fato é que fiquei três dias atrás de histórias e respostas para as mulheres do campo. A presidente veio no apagar das luzes fazer os anúncios que elas queriam ouvir. No início do discurso chamou Agnelo Queiroz de Agnelo Rossi, talvez lembrando do ministro que naquele momento pedia demissão da pasta da Agricultura. Mas depois, com um chapéu na cabeça, falou o que estava no script. Era hora das centenas de ônibus de margaridas voltarem para casa para, daqui a 4 anos, retornarem à capital. Será que o sistema de transporte já estará pronto para recebê-las? Se elas geraram transtorno, imaginem os torcedores da Copa, do mundo todo? E a semana continua! 

sábado, 13 de agosto de 2011

O homem invisível

Carne, osso, coração, cérebro. Estava tudo ali, indiscutivelmente. Olhos para ver, braço forte para trabalhar, ouvidos para ouvir. Não parecia haver nada de errado com aquele homem, a não ser o fato de que ele nunca existiu oficialmente. Era um dos milhares de brasileiros que nasceram e cresceram no mais completo anonimato, sem certidão, sem data ou local de nascimento. Afinal, quem seria aquele homem forasteiro, sem lenço nem documento? Nome ele tinha, chamava-se Eduardo. Idade? Seu palpite era de 35 anos. Rosto sofrido por trabalhar de sol a sol, e mais ainda por não conhecer bem seu passado, sua origem.  Por não exercer direitos, só deveres. Dever de ser quem nunca foi no papel. De trabalhar sem garantias. De lidar com a indiferença social. Seu documento era sua palavra. Dizia ter nascido no Maranhão, e vivia de lembranças. E ao ser questionado sobre como calculava a idade, contou que sua mãe, também sem certidão, o ensinou a contar o tempo. Mas isso não era suficiente, precisava de testemunhas que comprovassem sua existência e dessem fé de sua história. Encontrei outros tantos protagonistas de histórias assim em Altamira, no Pará. Eduardo, agricultor, cansado dessa situação, participou de um mutirão para tirar finalmente a primeira via do registro. Na sala de audiências improvisada numa escola, aguardava ansioso na fila. Precisava das testemunhas e de uma foto 3x4. Estava a um passo de ser quem de fato era. Homem de bem, trabalhador, que só queria uma coisa: deixar de ser invisível para ser um cidadão.

Reportagem Cidadania Xingu - http://www.youtube.com/watch?v=aIuucOpLedU


sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Xinguzão

Num barquinho, no meio do rio, uma linha, um anzol e um sorriso. Uma história de pescador. Um homem simples e feliz que sem aumentar nem inventar sentenciou: "Tudo o que tem de belo no mundo é o nosso Xinguzão!"

Conhecer um pouco da vida ao redor do Xingu foi tão surpreendente quanto ir ao outro lado do mundo. Um Brasil que jamais havia conhecido de perto se revelou a mim em incansáveis e intensos oito dias. Ao desembarcar em Altamira, no Pará, o ar puro da Amazônia já sarou meus pulmões ressecados de Brasília. Um paradoxo também já se revelava. O maior município do país, com área equivalente a cinco vezes o tamanho da Bélgica, por exemplo, tinha o menor aeroporto de todos por onde já passei. As malas são colocadas por funcionários sobre uma bancada de madeira. Esteira ainda não chegou por lá. Haja força. Depois das malas em mãos, a saída do despacho de bagagens daria direto na rua, no pequeno estacionamento do aeroporto. Ali, a densa vegetação amazônica dava as boas-vindas e renovava meu ânimo, até então seriamente prejudicado, por estar mais uma vez tão longe de casa. Prosseguimos em busca de personagens. Pessoas munidas de informações, histórias e emoções que nos ajudassem a entender aquele lugar imenso. A feira do produtor de Altamira foi a primeira parada. A gentileza e simplicidade do povo logo se revelaram também. Polpa de cupuaçu, tucupi e farinha de tapioca são ingredientes que não podem faltar na casa do altamirense. Como já dizia o feirante, "é tapioquinha de manhã, tapioquinha de tarde e tapioquinha de noite. A gente não vive sem nossa tapioquinha!" A partir daí um novo mundo se descortinava. Ali as pessoas se divertem nas praias. Praias de rio que logo sumirão por conta da grande hidrelétrica de Belo Monte. Elas também se equilibram sobre palafitas, fugindo para abrigos na época da cheia do rio e enfrentando riscos na seca, quando lixo e água parada se acumulam. Crianças correm para lá e para cá sobre as pontes de madeira, que podem ceder a qualquer momento, como aconteceu com Flávio, pai de família que quase perdeu a vida porque caiu sobre um copo de vidro. Dos 100 mil habitantes de Altamira, cinco mil ainda vivem nessa situação. "O que a gente quer mesmo é sair daqui", diz Flávio. E a cidade segue crescendo. Por conta da construção da usina, a expectativa é dobrar o número de habitantes num curto espaço de tempo. A especulação imobiliária já é fato. Aluguéis de 600,00 passaram para 1.500,00. De 1.000,00, para 3.000,00, e assim por diante, como contam os próprios moradores. A rua comercial é efervescente. Teve gente que abandonou a roça para abrir uma empresa. Está dando lucro. Mas muitos ao redor ainda vivem da terra. E a terra roxa, própria para o cacau, é uma das mais valiosas. "O ouro de Altamira é o cacau", já dizia o agricultor Antônio, mais conhecido como Baiano. Orgulhoso da fazenda que gerencia há 25 anos, ele não abre mão da lida. Parte o cacau com a mão mesmo e oferece para a equipe. Por ali também conheci um projeto pioneiro de cacau orgânico da Amazônia. Coisa fina. As amêndoas seguem direto para a Áustria, para fabricar um daqueles chocolates maravilhosos. Mas provei um chocolate artesanal, feito na panela mesmo. Gosto exótico, e não menos saboroso. Foram tantas novidades que não há como esgotar num post. Depois volto e conto da emoção de um homem de meia idade que nunca foi registrado. E da Transamazônica, que de rodovia só tem o nome, escondido num rastro de poeira.

Reportagens Xingu: